Lembranças de um passado distante – José Luís Carvalho dos Santos

O meu amigo, meu professor e compadre, Gamaliel Noronha, honorável filho da eterna noiva do sol, a querida Fortaleza, capital do Ceará, me presenteou com a letra e melodia de uma composição sua, gerada precisamente a 22 de setembro de 1972, na terra da cajuína, a inestimável Teresina, capital do Piauí.

Dois anos antes da data referida acima, Gamaliel chegou a Teresina para lecionar matemática e coordenar um curso patrocinado pela extinta SUDENE e o danado do homem ainda encontrava tempo para fazer rádio e televisão.

Quando o conheci, como seu aluno no Curso, foi amor à primeira vista. O único professor que eu já tinha visto com tamanha capacidade didática fora meu próprio pai, o professor e coronel PM, Luiz Santos, aquele que, quando aniversariava, era feriado no colégio onde lecionava.

Acho que não preciso falar aqui da amizade que uniu os dois quando os apresentei.

Pois quando digo que Gamaliel me presenteou é porque ele, confiando nos meus parcos dotes de músico, deu-me a mim a tarefa de gravar a canção, embora tendo total capacidade para ele próprio fazer isso.

Trata-se de uma marcha-rancho bem ao estilo de Chico Buarque (A Banda) ou Carlos Imperial (A Praça).

A letra homenageia o simpático bairro do Quilômetro Oito, em Fortaleza, onde Gamaliel, quando jovem, distribuía galanteios às mocinhas, também no Pan Americano, outro bairro, onde acabou fisgando a jovem mais bonita das redondezas.

Gamaliel, residindo em Teresina, sentia saudades de sua Fortaleza, mas não da atual na época e sim daquela onde vicejou e bordou em românticas serenatas.

Eu voltei para rever / o bairro que me viu crescer / testemunha do meu mundo / do meu mundo do passado / eu voltei para viver.

Rever, crescer e viver, eis o trocadilho a formar a trama poética, àquela época já meio djavaniana, para falar desse sentimento humano tão belo quanto necessário – saudade – primeira características daqueles que amam verdadeiramente.

Às tardes de domingo / na calçada da estação /a menininha vai e vem / acenando com a mão / para alguém que está no trem.

O trem suburbano que rasgava o Pan americano e o Quilômetro Oito cumpria mais uma missão que não aquela a que precipuamente se destinava, qual seja, o simples transporte de passageiros: agora servia de elo entre jovens corações apaixonados, podendo muito bem ser cognominado de trem-paixão.

E quando o trem vai embora / ficava a voz do locutor / com uma mensagem sonora / de um amor para outro amor.

Era Augusto Calheiros / tentando imitar / o chuá, chuá, chuá / da fonte a cantar.

A Música, arte de expressar sentimentos e os diversos afetos de nossa alma através dos sons, acompanha o homem em todos os momentos de sua vida até entregá-lo nas mãos de Deus. Sim, porque os que têm a música no coração são, sem dúvida, os preferidos pelo Ser Supremo.

As vozes do passado se atualizam no presente, trazidas pelas asas da poesia e da prosopopeia. Mas, foi Gamaliel o privilegiado a ouvir essas vozes, razão por que as transportou para sua própria composição, agora num contexto diferente e único, salvando, assim, o dote mais precioso da linguagem poética: a originalidade.

Passaram-se os anos / e o meu subúrbio não mudou / a não ser a menininha / que cresceu e esqueceu / este alguém que tanto amou.

Um amigo já me dizia: não se ama tanto impunemente. O preço da paixão é a eterna saudade, acrescento eu.

Paga o poeta a sua prenda com a dubiedade do verso: a não ser a menininha que cresceu e esqueceu este alguém que tanto amou.

Mas, o que é a poesia senão essa linguagem movediça que nos prende a cada tentativa de sair dela?

Obs.: Para conhecer a letra e ouvir a música em referência, acesse o post Bairro da Saudade.




1 comentário em “Lembranças de um passado distante – José Luís Carvalho dos Santos”

  1. Meu romântico compositor,

    O Zé Luís ao escrever esse texto expressou todo o sentimento de um grande amigo que conhece sua história e participou de momentos que tornaram inesquecíveis a juventude de um grande sonhador que fez de seus sonhos a realidade e sendo feliz ao alcançar seus projetos de vida.
    Você merece.
    Parabéns, grande homem, e continue assim.
    Regina Vilar (Bbezinha)
    Crato, CE

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