Minha infância e juventude foram no bairro Quilômetro 8, hoje Couto Fernandes, servido pela via férrea que ligava Fortaleza à cidade do Crato, na região do Cariri.
A ilustração ao lado (tinha que ser um trem!) eu guardo, carinhosamente, como relíquia. No canto inferior direito, há o crédito do autor: “byAbn95”. Trata-se de Álvaro Beleza de Noronha, meu filho, que, aos 14 anos de idade, já demonstrava seus pendores artísticos. Hoje, ele é designer gráfico e professor de Tipografia da Faculdade 7 de Setembro. Bem que lembra a chegada da “maria fumaça” na estação do meu saudoso Quilômetro 8!
Ali vivi momentos inesquecíveis ao lado de pessoas humildes, mas sinceras, leais, amigas e solidárias. Cito dois exemplos, sem desmerecer os demais: meu compadre Veras, garçom das elites e chef de cozinha nas horas vagas, que me recepcionava, todas as manhãs, na hora do almoço, quando eu descia do ônibus, na porta de sua casa, vindo do trabalho e levava-me para provar do seu “prato do dia” (o omelete de mamão verde era uma delícia!); e o tenente Camardeli, da família Sá Roriz que, segundo se comentava na época, não levava desaforo pra casa. Oficial reformado da Polícia Militar, embora costumasse andar armado com um punhal que ia da cintura até a axila, nunca presenciei uma atitude sua de desrespeito ou agressão a quem quer que seja. O que ele gostava mesmo era de contar aventuras mirabolantes que o tinham como protagonista e não dispensava um discurso proferido por mim no dia de seu aniversário.
Foi no Km8 (aprendi esta sigla com o Raimundo Nonato Cavalcante, filho do compadre Veras e, hoje, competente servidor do Bradesco) onde eu curti meus primeiros flertes e namoros, a maioria deles tendo como cenário a calçada da estação, nas tardes de domingo, cuja atração principal era a chegada do trem. Foi lá, também, que, na amplificadora (serviço de som) falei pela primeira vez ao microfone, anunciando “uma mensagem sonora de um amor para outro amor”.
A trajetória profissional levou-me a residir em Teresina, no Piauí, mas a distância não conseguiu fazer-me esquecer as origens. Tanto assim que, em uma das minhas viagens de ônibus (Expresso de Luxo, lembram?) a Fortaleza, enfrentei a insônia escrevendo os versos que resultaram no
Bairro da Saudade
Eu voltei para rever
O bairro que me viu crescer
Testemunha do meu mundo,
Do meu mundo do passado,
Eu voltei para viver.
(Bis)
As tardes de domingo,
Na calçada da estação,
A menininha vai e vem
Acenando com a mão
Para alguém que está no trem.
E enquanto o trem vai embora
Ficava a voz do locutor
Com uma mensagem sonora
“De um amor para outro amor”
Era Augusto Calheiros
Tentando imitar
O chuá, chuá, chuá,
Da fonte a cantar.
Passaram-se os anos
E o meu subúrbio não mudou
A não ser a menininha
Que cresceu e esqueceu
Este alguém que tanto amou.
A não ser a menininha
Que cresceu e esqueceu
Este alguém que tanto amou.
A exemplo do que fiz no post “Hino da Polícia Militar do Piauí”, recorro, novamente, ao professor, escritor e músico José Luís Carvalho dos Santos, meu compadre, para brindar-nos com sua voz melodiosa e seu inseparável violão, interpretando “Bairro da Saudade”.
Para ouvir, acesse: Bairro da Saudade
Aliás, venho de enriquecer este blog com “Lembranças de um Passado Recente” de autoria do eclético piauiense, hoje radicalizado em São Luis do Maranhão. Afora os elogios à minha pessoa, o artigo de José Luís retrata muito bem a sua riqueza linguística, bem como sua invejável intimidade com o sentimentalismo e as emoções (“O preço da paixão é a eterna saudade”).
Ilustre escritor,
A sua sensibilidade para escrever fatos históricos de sua vida me dá estímulo para também escrever um pouco da minha.
A sua veia poética de escritor e compositor,o torna mais jovem e, evidentemente, mais romântico. O seu jeito simples e objetivo de relatar momentos históricos vivenciados estimula o seu leitor à vontade de ler e reler os seus textos.
Parabéns! Sinto-me orgulhosa de fazer parte de sua história e de sua vida.
Regina Vilar (Bebezinha)
Crato, CE
Para mim foi um privilégio participar desse blog gravando essa música. Ainda acho, porém, que você poderia ter feito até melhor já que a capital alencarina é um celeiro de excelentes músicos e sua voz continua tão boa quanto naqueles tempos idos. Mas, parabéns pelo blog. Vamos produzir mais. Um abraço do
José Luís
São Luis, MA
Caro poeta e comunicador:
Sou um saudosista “praticante e juramentado”.
O texto e a música de sua autoria me levaram aos bons tempos de minha inesquecível e saudosa juventude. Lembrei a estação do trem de minha Nova Russas e das aventuras que embalaram meus sonho de menino.
Curti a saudade.
Fiquei feliz e emocionado ao ver citado o nome do meu querido pai. Assim sendo, agradeço o apreço que você nos tem.
Beijos no coração.
Seu afilhado,
Marquinho