O Liceu do Ceará na minha vida

Solicitou-me o amigo de longas datas, professor Manuel Aguiar de Arruda, que escrevesse algo sobre minha passagem pelo tradicional Colégio Liceu do Ceará, aonde fui – com muita honra – seu professor.
Para isto, tenho que começar muito antes, quando, ainda, era aluno do Ginásio 7 de Setembro. Naquele educandário, fui discípulo, em Matemática, do professor José Chaves de Assis que, com suas aulas extremamente didáticas, despertou-me para a vocação de ensinar a ciência dos números. Sendo, assim, ainda naquela época, era chamado por colegas, meus vizinhos, para assumir, frente a um quadro negro improvisado, na sala de minha modesta residência, um “reforço escolar” o que me enchia de muita satisfação por fazer, espontaneamente, o que gostava.
Terminado o curso ginasial, ingressei na Escola Preparatória de Fortaleza, estabelecimento de ensino do Exército Brasileiro, onde conclui, após três anos de internamento, o curso científico. Ali, uma equipe de renomados professores reforçou os meus conhecimentos na área da Matemática, desenvolvendo, mais ainda, minha aptidão para o magistério. Foi uma salutar experiência com o regime militar, onde muito aprendi para a vida e conquistei valiosas amizades que, após mais de sessenta anos, perduram até hoje.
De volta à vida civil, retomei, já no dia seguinte, à busca de meus ideais: o magistério e o microfone (mas, esta é outra história!). Vizinho à minha residência, funcionava o Centro Educacional Eduardo Claparrede e que tinha como um dos diretores o saudoso professor José Alves Fernandes que me ensinara Inglês, no Ginásio Sete de Setembro. Fui visitá-lo. Coisas de Deus! Saí de lá, contratado para assumir, logo no mesmo dia, a cadeira de Matemática de uma turma de adultos que buscavam aprovação no chamado Exame de Admissão ao Ginásio. Era o meu primeiro emprego, para gáudio, também, de dona Alzira, minha querida mãe, então preocupada como iria assumir as despesas de seu caçula, que, há três anos, nada material lhe pedia, pois vivia às custas do Exército Brasileiro.
Buscando minha capacitação profissional no magistério, logo depois participei de Curso de Preparação para professores de Matemática, realizado pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), sob a supervisão da Inspetoria Seccional de Fortaleza do Ministério de Educação. Tive uma boa classificação que me credenciou a ser aceito pelo doutor Edilson Brasil Soárez, que já era um líder na minha vida, para assumir turmas no meu querido Ginásio 7 de Setembro. Lembro da recepção que recebi de meus admiráveis professores do passado José Chaves de Assis, Luiz Gonzaga da Silva, José Maria Campos de Oliveira e Antônio Gondim, naquele momento, para minha honra, colegas de profissão.
Em 1964, o coronel Virgílio Távora, em seu primeiro mandato como governador do Ceará, decidiu por um Curso de Aperfeiçoamento, realizado pela CADES, para capacitar professores a exercer, em caráter interino, o magistério de segundo grau na rede de ensino público estadual. Dele participei na área de Matemática, sob a coordenação do professor Adroaldo Castelo, mestre bastante conceituado e respeitado pela sua conduta e competência. E, foi ali que, nos meus 23 anos de idade, me vi nomeado para lecionar no tradicional Liceu do Ceará. Fiquei receoso, pois já ouvira falar que para ensinar no Liceu tinha que ser catedrático que presumia um extenso currículo com “defesa de tese” e outras exigências. Foi quando decidi falar com o professor Adroaldo Castelo:
– Professor, alguém se enganou e me lotou no Liceu do Ceará.
A resposta foi imediata:
– Este alguém sou eu que sabe o que está fazendo e não se enganou: você tem competência para a missão.
E foi assim que, naquela manhã, de paletó e gravata, subi as escadarias do Liceu do Ceará e adentrei a uma sala do segundo ano científico para a minha primeira aula. O professor Chaves (lembram dele?), veterano naquele educandário, já havia me atentado que eu poderia ter “surpresas” e procurasse manter a calma. E, não foi diferente! Defronte aquela turma masculina de adultos, a maioria barbados e que aparentavam idade mais avançada que a minha, estava dependurada uma galinha morta, ainda sangrando. Que recepção e… que decepção! Era um “teste de fogo” para o jovem professor. Rapidamente, na minha mente, foram produzidas frases de impacto: “Quem foi o autor dessa atitude de desrespeito?”; “O responsável vai ser punido exemplarmente!”; “A autoridade aqui sou eu e não irei permitir atos dessa natureza!”…
Mas o aconselhamento do professor Chaves falou mais alto. Respirei profundo e… segui em frente!
– Pessoal, bom dia! Esta galinha me lembrou aquela história do gavião que chegou no galinheiro e disse: “Como vão minhas 100 galinhas?”, no que foi respondido por uma das galinhas: “100 galinhas não somos nós; mas, nós, somados a outro tanto de nós, mais a metade de nós, mais um quarto de nós e mais tu, gavião, aí, sim, seremos 100 galinhas!” E, agora, eu queria saber (ironizei!) dos meus inteligentes e criativos alunos: Quantas eram as galinhas?”
Silêncio total, quando escuto uma voz:
– Legal, professor, isto é uma equação do primeiro grau!
Com esta “descoberta”, o professor pegou a “deixa” e a aula transcorreu ordenada e produtiva, chegando-se a 36, o número de cabeças no galinheiro, o “x” da equação algébrica que motivou a todos até o toque da campainha. E, para completar, diante do quadro expositivo cheio de cálculos, ainda teve uma salva de palmas para o jovem professor!
E este foi o clima que reinou nas aulas subsequentes que perduraram, naquela e em outras turmas, durante três anos quando fui promovido para dirigir o Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, no bairro do Montese.
Professor Manuel Aguiar de Arruda, atendendo sua solicitação, eis aí minha passagem pelo querido Liceu do Ceará.


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