Um cabo de vassoura com uma lata de leite condensado metida na ponta era o “meu microfone” dos tempos de criança quando me fascinava visitar os estúdios da Ceará Rádio Clube, a querida PRE-9, no Edifício Diogo, e deleitar-me com a voz de ícones da época, a exemplo de Paulo Cabral, João Ramos e Manoelito Eduardo.
Já na campanha de Juarez Távora à Presidência da República, tive a ousadia, ainda adolescente, de subir ao prédio do Rotisserie (hoje, agência da Caixa Econômica, na praça do Ferreira) onde funcionava o comitê eleitoral, e levar, por várias vezes, a minha voz aos quatro cantos do modesto centro de Fortaleza. O candidato não ganhou, mas para mim foi uma glória aquela primeira experiência em falar, de verdade, para o “público ouvinte”.
Depois, como aluno da Escola Preparatória de Fortaleza, estabelecimento de ensino do Exército, lá estava eu, na “PRKadete”, serviço de som que, na hora do almoço, levava entretenimento para o corpo discente.
Em 1960, aos 19 anos, voltando à vida civil, persegui o meu sonho. Bati à porta da Rádio Dragão do Mar e fui admitido como redator, mas o meu objetivo mesmo era ser rádio-repórter e locutor. E eis que, certo dia, fui chamado à sala do diretor da emissora que me pegou de surpresa:
– Amanhã cedo, você viaja de avião, com o Governador Parsifal Barroso para um encontro de prefeitos em Crateús. Quero uma cobertura completa e mais: lá estarão repórteres de outras emissoras e, portanto, o mais importante é você ser o primeiro a mandar o boletim.
E o chefe, num estilo bem seu, levantou-se entre gritos e risos:
– Gamalieeelll, “furo de reportagem”, “furo de reportagem”! É isso que eu quero!
Não sabia o estridente e sorridente cidadão que o seu instinto de ajudar as pessoas estava tornando realidade um outro sonho do novo rádio-repórter: a primeira viagem de avião…
Falar de Crateús para Fortaleza, não era fácil. Depois do encontro governamental, já com todo o material cuidadosamente gravado, tentei me valer do rádio-amador “Dos Anjos”, mas foi em vão: a propagação não ajudava. A outra única opção seria, então, o serviço de rádio do Batalhão de Engenharia de Construção que se comunicava com o quartel da Décima Região Militar em um determinado horário e este já estava reservado para um veterano repórter – Nogueira Saraiva – da pioneira Ceará Rádio Clube. Informou-me, então, o operador de plantão, um sargento de poucas palavras, que, por ser domingo, ele nada poderia fazer, haja vista que a energia elétrica, por ordem superior, só seria ligada naquele momento já comprometido.
Não desisti. Lembrei o que aprendera na caserna: uma ordem, por motivos relevantes, pode ser revogada. E, assim, não vacilei em procurar a autoridade competente, no caso o então major Celso Viana de Araújo, que, sensível aos meus argumentos, autorizou o fornecimento da energia uma hora antes, possibilitando que aquele “foca” pudesse, entre lagrimas de emoção, enviar, em primeira mão, a sua cobertura jornalística. E o que era mais importante: o microfone da Rádio Dragão do Mar passaria a ser o meu companheiro de uma longa e inesquecível jornada.
Digo isso, porque logo ao retornar a Fortaleza, o diretor deu-me uma surpreendente notícia (evidentemente com aquela mesma euforia):
– Gamalieeelll, parabéns! Você se credenciou para ser o apresentador do “Alma Sertaneja” (tradicional e cobiçado programa da emissora). Agora, preste bem atenção: no começo, nada de improviso para não dizer besteira ou falar errado. Antes, escreva tudo. Até para mandar um simples boa-noite pro “cumpade” do interior. Estarei observando. Gamalieeelll, vá em frente!
Segui à risca as suas orientações, adquiri segurança, logo, logo “me soltei” e a história da radiofonia cearense não me deixa mentir: de 1961 a 1964, conquistei um dos maiores índices de audiência no Estado. E como tudo depende dos primeiros passos, ainda hoje me sinto firme e empolgado à frente do microfone. Graças, obviamente, à larga visão de um homem irrequieto, desarmado, bom caráter e altamente criativo, que, por essas qualidades, sempre pensou e agiu à frente do seu tempo. Com ele aprendi, entre tantas outras coisas, que o autêntico líder é aquele que descobre valores e, depois isso, ajuda-os na realização de seus sonhos.
O nome dessa criatura humana admirável: Tarcísio Tavares.
Post-scriptum: O nosso querido TT encontra-se enfermo, vítima de um AVC. Considerando o seu bom humor, a grandeza de seu coração e a misericórdia de Deus, ainda acredito, com paciência e perseverança, que voltaremos a ouvir seus gritos e gargalhadas…
Post-scriptum (06.05.2011): Na madrugada de hoje, TT foi convocado por Deus para animar o “Andar Superior”. Seja feita a vontade do Comandante.