História de um grande amor – 1ª. Parte

A locomotiva a diesel, arrastando seus vagões, mais uma vez vencera o seu costumeiro desafio: saíra de Fortaleza e, depois de quase um dia de viagem, chegava à estação do Crato. Do outro lado, na esquina da praça, as mesas do Bar Social, espalhadas até às calçadas, estavam repletas de adultos, jovens e crianças que, nas tardes de domingo, tinham como atração principal a chegada do trem vindo da capital. Ali mesmo funcionavam os “estúdios” do serviço de som, a amplificadora, meio de comunicação que marcou época nos anos cinqüenta e até o final da década de sessenta, quando acontece esta narrativa. O locutor com a voz impostada, orgulhosamente, anunciava a chegada do comboio para logo depois fazer tocar uma música que persistia como sucesso:

“Sertaneja, ah se eu pudesse,
Se Papai do Céu me desse,
Um espaço pra voar,
Eu corria a Natureza,
Acabava com a tristeza
Só pra não te ver chorar…”

O jovem professor Pojucan Júnior, embora lecionasse Matemática, ciência exata, era amante das artes: gostava de ler, escrever e cantar. E, por esta razão, após descer do trem e ao atravessar a praça, com destino ao hotel do “seu” Guedes aonde iria se hospedar, acompanhava, em voz baixa, o cantor Orlando Silva:

“Na ilusão deste poema,
Eu roubava um diadema,
Lá no céu para te ofertar,
E aonde a fonte rumoreja
Eu erguia a tua igreja
E dentro dela o teu altar.”

E era embalado neste clima de devaneios que se via traçando planos para o seu futuro: lecionar, fazer amigos e (quem sabe?) encontrar um grande amor, a sertaneja de sua vida!

E, ao chegar ao quarto do modesto, mas aconchegante hotel, o moço estendeu-se prazerosamente na cama macia, fechou os olhos e ficou a imaginar, ansiosamente, como seria o seu novo local de trabalho, o Colégio Dom Bosco.

Ali mesmo adormeceu, sem, entretanto, deixar de ouvir os últimos acordes que, agora baixinhos, vinham se perdendo entre as árvores da praça:

“Sertaneja,
Por que choras quando eu canto,
Sertaneja,
Se este canto é todo teu.

Sertaneja,
Pra secar os teus olhinhos
Faz ouvir os passarinhos
Que cantam mais do que eu.”

A manhã de segunda-feira era de sol aberto quando o professor Pojucan chegou à calçada do Colégio Dom Bosco. A fachada do edifício, pintada de verde e branco, chamava atenção pelas suas janelas altas que mais lembravam a suntuosidade de um teatro. Seria ali a sua segunda experiência no magistério, pois a primeira fora numa sala de educação para adultos, em Fortaleza. Como gostava de aventuras, enviara pelos Correios proposta de emprego para o estabelecimento de ensino cratense do qual tomara conhecimento, através da imprensa, de seus modernos métodos pedagógicos, agora já com oito anos de existência. A resposta favorável chegara em apenas uma semana, tempo recorde, considerando as dificuldades de comunicação da época.

Eram precisamente 7 horas e 25 minutos quando o diretor José Newton, ao lado de sua esposa dona Ruth, recebeu o novo mestre. Após ouvir um afetuoso “bom-dia” e os votos de boas-vindas, o professor Pojucan, ao toque da sirene, foi encaminhado a uma das turmas onde iria lecionar.

Ao entrar na sala, cerca de trinta e cinco alunos – jovens de ambos os sexos, na faixa etária de 15 a 18 anos – aguardavam curiosos o professor vindo da capital. Após o coletivo e ruidoso “bom-dia”, o professor Pojucan agradeceu, pegou no giz e, a partir dali, passou a escrever uma inesquecível página sentimental em sua vida.

Os pequeninos e brilhantes olhos da aluna Lúcia, sentada na primeira fila, acompanhavam irrequietos os gestos e os passos do professor. O mestre sentia aquelas duas luzes vivas penetrarem dentro de si, chegando a perturbar o seu raciocínio matemático. Estava confuso, mas, mesmo assim, lamentou quando a sirene anunciou o término de sua primeira aula.

Aquele quadro que tinha as cores de um amor à primeira vista repetiu-se nas aulas seguintes. E Lúcia não deixava por menos: usava uma rosa branca emoldurada pelos seus cabelos loiros que a fazia mais atraente. Era como dissesse: “Professor eu estou aqui, olha pra mim!”.

O tempo passava e o coração do professor parecia que ia estourar. Vivia um dilema: renunciar ou assumir aquele amor. Neste caso, como ficaria a sua reputação como professor? Seria uma grande decepção para o professor Newton e dona Ruth que não cansavam de elogiar o novo colaborador pela sua assiduidade, dedicação e competência profissional.

No mais, “pesquisando” sobre a vida de Lúcia, Pojucan soube que ela pertencia a tradicional família da região do Cariri e tinha uma criação muito rigorosa ao ponto dos pais colocarem a irmã mais velha como dama de companhia da encantadora menina.

E foi nesse clima, que o professor Pojucan ao regressar da escola, sentou-se em uma mesa do Bar Social, pediu uma cerveja, saboreou o primeiro copo e escreveu no guardanapo uma quadrinha que, ainda hoje, ele guarda com muito carinho:

“Eu vou deixar de ensinar
Não posso mais lecionar
Se eu digo ‘x’, ela diz ‘a’
‘A’ do verbo amar.”

Coincidentemente, a amplificadora tocava uma das músicas de Nelson Gonçalves:

“Mas a normalista linda
Não pode casar ainda
Só depois de se formar.
Eu estou apaixonado
O pai da moça é zangado
E o remédio é esperar.”

A decisão de ir embora, voltar para Fortaleza, e uma desculpa esfarrapada (“Diretor, resolvi fazer Faculdade”) pegou a todos de surpresa. Inclusive a tristonha Lúcia que, fugindo aos olhos da irmã, teve a coragem de ir à estação despedir-se de seu amado e, mais ainda, dar-lhe o primeiro beijo que foi banhado por duas lágrimas que lhe caíram dos pequeninos olhos.

– Se Deus quiser, não sei quando e como, outros beijos darei nessa boca linda, disse o professor dependurando-se na plataforma do último vagão, com o trem já em movimento, e acenando para aquela que seria, num futuro distante, o grande amor de sua vida.

E, por ironia do destino, lá estava a amplificadora como que referendando aquela triste despedida na voz de Luiz Vieira:

“Coisa esquisita é trem
Ao sair pra uma cidade,
Pra uns leva alegria
Pra outros deixa saudade.”

Em breve, a 2ª. Parte.

 

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